Todo espalhafato esconde más intenções. O original, é discreto, nasce quieto, cresce calado e só se revela quando fundamental e necessário.
Lembro os tenebrosos tempos que passearam pelas décadas de 70/80 do século passado, com os generais de plantão e os torturadores fazendo serão.
Os ditadores consideraram essas as décadas da educação, não por acaso as décadas da agonia da inteligência brasileira, a cujo velório estamos assistindo, via mídia, políticos e seus subprodutos, os alienados, saltando no precipício sem saber que estão sem paraquedas.
Após destruir um muito bem pensado sistema educacional, de Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro... Os pedagogos de quartéis, com formação acadêmica em ordens unidas, stands de tiros e táticas e estratégias de guerra, subordinaram servilmente a educação brasileira às imposições dos Estados Unidos, via USAID (United States Agency for International Development – Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional), através de convênios com o MEC (Ministério da Educação e Cultura), criando o Mobral, o então Artigo-99, hoje Curso Supletivo, e jogando todo o peso nos vestibulares, seguindo os planos de dominação imperial, os mesmos, para todo o terceiro mundo, explorando o ufanismo e pretensões vazias (na ditadura boliviana o ufanismo e a pretensão eram tanta que as bandas marciais eram chamadas de “Bandas Continentais”).
Através desses convênios, Latim, Filosofia, Sociologia e Ciências Políticas saíram do currículo escolar brasileiro, substituídos por Educação Moral e Cívica, uma safada cartilha de doutrinação colonial, além de reduzirem as cargas horárias de todas as matérias, exceto Português e Matemática.
O Mobral(Movimento Brasileiro de Alfabetização) tinha a pretensão de acabar com o analfabetismo no Brasil, considerando não analfabetos os que conseguissem desenhar o próprio nome e manipular o dinheiro, através das operações fundamentais: tabuada, tabuada, tabuada...
O Artigo-99 era um conjunto de provas para avaliar conhecimentos. Sendo aprovado, o aluno recebia o diploma do ginásio, hoje fundamental, ou do científico, hoje Ensino Médio.
Foi a época da minha vida em que ganhei mais dinheiro, amestrando alunos para concursos, lecionando das sete da manhã às onze da noite, em vários cursinhos (havia tantos cursinhos de artigo-99 e Pré-Vestibulares, naquela época, quanto igrejas caça níqueis, hoje).
Esse bando de analfabetos funcionais diplomados desembocavam nos Vestibulares, o supra-sumo da realização das famílias brasileiras: “Yes, temos um vestibulando!”
O Jornal dos Sports, do grande Nelson Rodrigues, destinava mais espaço aos concursos que aos esportes, O Globo tinha um caderno especial, quase tão grosso quanto o resto do jornal, intitulado “Educação”.
Havia um verdadeiro campeonato de professores, com os grandes cursos pagando altos salários e até luvas, como os jogadores de futebol, para os professores trocarem de curso, e a publicidade, nos rádios, jornais e tevês citavam os nomes dos professores, com a equipe sendo chamada de “a nossa seleção” (cheguei a dar aulas em cidades do interior, em Barra Mansa e Volta Redonda, e até em Minas Gerais, numa cidadezinha chamada Itanhandu, ao lado de Passa Quatro, onde nasceu José Dirceu – a mãe dele ainda mora lá, com passagens, estadias e altos salários pagos pelos cursos). Em mais de uma vez, recém contratado, no primeiro dia de aula me deparava com uma faixa na frente do prédio: “O Chiquinho de Química agora está aqui”.
Nos dias de concursos tínhamos que fazer plantão nos locais de provas. Logo que o primeiro aluno saía, tínhamos que resolver a prova em minutos e colar o gabarito nos postes e paredes(professor que não resolvesse tudo estava desmoralizado, havendo competição, para ver que professor resolvia mais rápido).
Tudo isto culminou nesta merda a que estamos assistindo, um país de analfabetos funcionais, de analfabetos políticos, de coxinhas e paneleiros, de simplesmente analfabetos, e isto porque os professores de hoje são os filhos ou netos dos que cursaram Mobral, Artigo-99 e Faculdade Particular, formados por eles, saindo do analfabetismo absoluto para um diploma de curso superior em cinco ou seis anos, sendo amestrados, ao invés de educados.
E porque me lembrei disso hoje?
Nos jornais... Enem. Nas emissoras de rádio... Enem. Nas emissoras de televisão... Enem. Orgulho das famílias... Um filho, sobrinho ou neto fazendo... Enem.
O que deveria ser só uma etapa na vida do estudante vai se tornando a razão de ser da educação.
Antes era vestibular e futebol, agora é Enem e igreja.
Temer repete a ditadura nos mínimos detalhes, fazendo do meio o fim, para que o verdadeiro fim não seja alcançado.
E aí as camisetas da CBF, as panelas, “golpes democráticos”, agressividade nas redes sociais... Com todo mundo sabendo tudo de tudo, sem saber porra nenhuma.
Coerência dos políticos, eles sabem que para suportar governos medíocres e exploração, só um povo medíocre, sem senso crítico.
Francisco Costa
Rio, 06/11/2016.
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